quatro minutos depois das sete

hora de partida para outro lado qualquer...

terça-feira, maio 16, 2006

King’s Village

E pronto, quando toda a gente pensava que o fim do programa Esquadrão G havia tranquilizado o último núcleo de verdadeiros patriotas, essa reserva da raça lusa, esses últimos resistentes na guerra contra o avanço imparável dessa globalização fomentada por obscuros agentes de um capitalismo selvagem, eis que senão quando a Exma. Sra. Presidente da Câmara de Vila de Rei fornece mais um pretexto para o pessoal da cabecinha rapada e da tendinite na coifa fazer um almoço convívio seguido de passeata ao ar livre. Em causa está a tão falada vinda, a convite da autarquia, de umas quantas famílias brasileiras que irão usufruir de um conjunto de regalias e incentivos à sua fixação em Vila de Rei. Sendo eu um gajo moreno e – felizmente e até esta data que a gente nunca sabe o que o futuro nos reserva e isso da calvície é uma maleita comum e isto um gajo tá sempre sujeito - de farta cabeleira, também achei um bocadito desfasada esta “importação” dos ditos brasileiros. Passo a explicar: em primeiro lugar porque este tipo de imigração institucionalmente enquadrada é própria e típica de países desenvolvidos com um défice populacional significativo, não de um país em vias de subdesenvolvimento como o nosso. Em segundo, ultrapassadas as primeiras aparências a gente percebe que afinal este não é um processo de imigração institucionalmente enquadrado verdadeiramente sério, uma vez que não há uma relação directa entre a formação académica e profissional de base dos recém-chegados e os postos de trabalho que a câmara de Vila de Rei lhes arranjou. Ou seja, à boa moda do pato-bravismo espertalhaço lusitano a câmara vai tingir de azul uns quantos white collars brazucas. Só que por muito merdosa que a situação possa parecer depois de bem espremida, há ainda algumas contradições que lhe são intrínsecas e essas são, por assim dizer, o cerne desta questão. Em primeiro lugar há a questão da crise económica e do aperto financeiro tão propalada nos media, dia e noite. Supostamente o país tá à beira da falência técnica, a economia estagnada e os tostões têm de ser contados. O poder local está, na generalidade, falido ou endividado. A população em geral tá a pagar mais impostos e a perder regalias significativas. Neste contexto soa mal à brava ir buscar pessoas ao outro lado do Atlântico, oferecer-lhes casa, emprego e creche para os filhos. Numa empresa isto chamar-se-ia falta de equidade na gestão dos recursos humanos. Qualquer um que tenha assistido a umas aulas de gestão de RH sabe que quem quiser fomentar o conflito pode começar precisamente por aí, pela eliminação da equidade, promovendo assim o desequilíbrio de oportunidades entre grupos e dentro deles. Depois pergunto-me, não há portugueses dispostos a ir viver para Vila de Rei nas mesmas condições em que estes convidados brasileiros o estão a fazer? Bom, dizem as más línguas que o “português é por definição um tipo preguiçoso que não gosta de trabalhar e vive a inventar desculpas para não o fazer”. Talvez sim. Mas depois qualquer coisa falha quando os empregadores de países estrangeiros caracterizam o emigrante/trabalhador português como um indivíduo com uma enorme capacidade de trabalho e espírito de sacrifício. Bom, então se calhar o português só trabalha bem lá fora e sobretudo em países em que o trabalho se encontra bem organizado, regulamentado e sobretudo onde há bons gestores. De qualquer modo e em jeito de auto-resposta à pergunta que deixei lá para trás, acho que sim, que há concerteza uma data de portugueses dispostos a ir viver e trabalhar para Vila de Rei, só que ninguém os convidou. A bem dizer ninguém os convidou para coisa nenhuma, nem o IEFP os convida seriamente para trabalhar (aliás eu sou daqueles que pensa que o IEFP conseguiu apenas resolver o problema de emprego dos seus próprios funcionários), nem nenhuma Câmara os convidou para morar na sua área territorial, ou se disponibilizou tão activamente para os ajudar a criar os filhos. Aliás, lembro-me agora que eu próprio, enquanto cidadão deste país, não tenho sido convidado pelo Estado para outras coisas que não seja pagar, e não digo pagar algo em concreto, mas sim pagar no sentido mais abrangente do termo (impostos, segurança social, juros, emolumentos, taxas, arredondamentos diversos, entre outras coisas que agora não me lembro mas que de certeza que já paguei) ao ponto de pagar se ter tornado numa forma de estar na vida (uma espécie de estádio existencial sintetizado na máxima "pago logo existo"). Os verdadeiros propósitos desta iniciativa e perdoem-me a desconfiança, são para mim um mistério. Poder-se-á argumentar que os empregadores irão lucrar com a vinda desta mão-de-obra qualificada a baixo custo, mas aí voltamos à questão inicial da azulização de white collars o que me levaria a ter de dar razão ao porta-voz fascista com cabelo* que falou para as câmaras de televisão e isso eu não quero fazer. A renovação e incremento qualitativo do tecido social local poderão ser um propósito mas também este argumento esbarra na contradição com o lema “o que é nacional é bom” (é o meu mote publicitário favorito logo a seguir ao do Restaurador Olex). Por outro lado a participação do Roberto Leal na XVI Feira de enchidos, queijo e mel de Vila de Rei em 2005 poderá fornecer algumas pistas para deslindar deste mistério… Agora a sério para os brasileiros em causa fica o meu sincero desejo de que a vida lhes sorria na vila que os acolheu. A sério, mesmo. E já agora desejo que a vida me sorria a mim e aos meus nos sítios onde vivemos e onde temos de pagar casa, creche e procurar emprego por conta própria.
Ah, é verdade, os neo-nazis lusos, já me esquecia deles. Pois, são giros, folclóricos e tal, tão atentos às notícias... Têm é que me explicar melhor aquele conceito de “traidor à pátria”, que eu não percebi. Se conseguirem, claro.

*A preocupação com a cosmética demonstrada pelos neo-nazis lusos – materializada no cuidado estético depositado no seu porta-voz (pareceu-me o gajo com o aspecto mais normal e lavadinho de todo o ajuntamento e até sabia articular umas frases num discurso aceitavelmente fluido apesar de discutível na sua coerência) – parecem-me sinónimo de sofisticação do movimento. Espero que os senhores do SIS tenham reparado.

3 Comments:

  • At 17/5/06 06:49, Anonymous Anónimo said…

    continuo sem perceber qual é o drama...
    são só mais uns que vêm fazer o que os outros não querem, onde ninguém quer viver!

     
  • At 17/5/06 10:48, Anonymous Anónimo said…

    Drama não é nenhum mas antes um assunto que temque ser levado mais a sério e investigado realmente, nem que mais não seja porque enquanto organização, violam a nossa constituíção. Quanto ao fazer o que os outros não querem, onde ninguem quer viver...por favor!!!!

     
  • At 17/5/06 11:45, Anonymous Anónimo said…

    Quanto ao fazer o que os outros não querem, onde ninguem quer viver...
    É mentira?
    Foram contactados centros de emprego da região e nenhum dos inscritos estava disponível...
    Por favor, porquê?
    Em 2005, o fluxo de saídas foi superior ao de entradas em Portugal. Isto quer dizer que continuamos a ser um país de emigrantes! E sem favores!

     

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