Então e o facto de comerem criancinhas ao pequeno-almoço?
PCP Divorciado de Uma Sociedade Individualizada e Globalizada
Quinta-feira, 25 de Novembro de 2004
A perda de influência do PCP na sociedade portuguesa é uma realidade que salta aos olhos. O PÚBLICO foi falar com académicos para tentar encontrar as causas deste divórcio entre o mais antigo partido português e uma sociedade cada vez mais individualizada e globalizada.
Por São José Almeida
A perda de influência do PCP na sociedade portuguesa parece ser uma realidade indesmentível que é reconhecida pelo próprio PCP. De partido que teve um capital de simpatia entre intelectuais, artistas, classe média e operariado e que arrastava atrás de si um lote de nomes sonantes, assim como enchia praças e alamedas, o PCP tem vindo a diminuir o seu peso social e eleitoral. Hoje não movimenta a intelectualidade e o meio artístico, nem enche pavilhões.
O desgaste social do PCP reflecte-se naquilo que de mais importante existe na sua acção política em democracia, os resultados eleitorais para a Assembleia da República, onde o PCP está reduzido a 12 deputados depois das eleições de 2002, quando em 1979 elegeu 47 deputados.
O PÚBLICO procurou junto de sociólogos que estudam o fenómeno político respostas para este desgaste. E todos parecem unânimes em apontar o desfasamento, o divórcio entre o PCP e a sua mensagem e a evolução que a sociedade portuguesa sofreu nos últimos 30 anos, em que se verificou uma autêntica revolução sócio-económica com a assunção do consumismo capitalista e com a afirmação de uma sociedade pós-moderna, individualizada, globalizada e mediatizada.
Para o sociólogo Fernando Farelo Lopes, os partidos comunistas geraram um grande capital de simpatia, não só porque defendiam "um ideal de uma sociedade justa", mas também pelo papel histórico desempenhado por estes partidos que "foram campeões da luta antiditadura" e "saem da II Guerra legitimados pela luta contra a guerra". Acresce a este factor de atracção a nível internacional o facto de que, "em Portugal, o PCP "é o único partido que sobrevive à ditadura; o PS, fundado em 1973, não era um partido treinado na luta antifascista". A este património de luta antifascista soma o PCP o facto de que "esteve presente no desmantelamento do regime e teve um papel nos governos provisórios, conseguiu revolucionar a sociedade portuguesa pelo topo e pela base, já que teve um forte papel nos sindicatos", sustenta Farelo Lopes.
"Há uma mudança na estrutura social"
A sociedade portuguesa evoluiu e, para este sociólogo, "há uma mudança na estrutura social" que leva ao desfasamento do PCP. Por um lado, há alterações profundas ao nível do "proletariado rural, nomeadamente alentejano, mas do industrial também". Para além disso, Farelo Lopes salienta que "a mentalidade da sociedade mudou e os valores mudaram". E concretiza: "Houve uma revolução do consumo, sobretudo depois da entrada para a União Europeia, que leva a um desenvolvimento de valores do hedonismo. Há uma igualização do consumo - hoje o jovem operário frequenta a mesma discoteca do filho do proprietário da Quinta da Marinha e, mais feira de Carcavelos, menos feira de Carcavelos, vestem as mesmas marcas."
Farelo Lopes destaca ainda que "a queda do bloco soviético, que era uma referência de legitimidade", como factor de erosão do PCP. E conclui: "O PCP não tirou as devidas consequências do desmoronamento do Leste. O PCP continua agarrado a uma mentalidade do velho tipo, de certezas repetidas à exaustão, quando este tipo de ideologia não é muito compatível com o tipo de sociedade presente. Esse tipo de mentalidade surge onde são espezinhados direitos; esse tipo de ideologia de desafio, de ruptura, contra o poder instalado não se coaduna com a realidade social de hoje - hoje é valorizada a cidadania, a participação. A política é um processo pacífico de múltiplo ajuste de interesses."
"Um partido que não
faz 'input' na governação"
A ruína dos regimes comunistas é também valorizada pelo sociólogo André Freire. "Há uma tendência geral que tem a ver com a queda do Muro de Berlim", afirma André Freire ao PÚBLICO, sustentando também ele que "há uma tendência internacional" perante a qual "talvez poucos partidos tenham conseguido transformar-se e dar origem a formações novas". Mas adverte: "Quanto a mim, a transformação não significa o colapso, como alguns têm defendido. Há o caso do PCI, mas há outros partidos nos países nórdicos, comunistas ou de extrema-esquerda, que evoluíram para novos temas sem descurar os tradicionais e tiveram sucesso."
Quanto ao "caso de Portugal", André Freire pensa que "a situação agrava-se porque, ao contrário do PCE, por exemplo, que tinha perfil mais próximo do eurocomunismo, o PCP é mais estalinista, o que dificulta a mudança." E especifica: "Tem a ver com a atitude face ao regime democrático, com a disponibilidade para alianças, com o estar disponível para ser poder. Primeiro, o PCP tinha reservas sobre o sistema democrático, era mais fortemente anticapitalista. Segundo, a ortodoxia reduziu ao mínimo a disponibilidade como partido de coligação." Isso faz com que "os eleitores abandonem o voto num partido que não faz 'input' na governação, logo não fará governo", ou seja, "será um voto inútil". André Freire adverte que "há até quem defenda que faz o jogo da direita, essa leitura passa".
André Freire dá também relevo a "razões de âmbito económico. Ainda que Portugal seja, "em termos europeus, a primeira ou segunda sociedade mais desigual e continue a haver uma polarização social grande, tem havido, desde a adesão europeia, melhorias e um maior nivelamento". Conclui: "Isso tira espaço ao radicalismo."
"Há uma crescente
individualização"
José David Miranda, professor no ISCTE, que estuda os movimentos sociais, aponta igualmente um conjunto diverso de razões, a começar pelo facto de que "o mundo evoluiu", ainda que no caso particular do PCP lembre que "houve a derrocada do mundo soviético". E neste âmbito diz que "o PCP perdeu as sociedades de referência; agora só podem apontar para o futuro, já não têm exemplos para apontar mais atractivos do que Coreia do Norte e Cuba".
Mas José David Miranda sustenta que este desgaste surge por outros motivos. "Para além do fim da guerra fria, há a globalização e a sociedade de informação." E prossegue, afirmando que "hoje, há também o problema da individualização" e o PCP continua a recorrer a fórmulas como o trabalho colectivo, em que "o indivíduo fica abafado, o interesse colectivo sobrepõe-se ao interesse individual". Isto numa "sociedade em que há uma crescente individualização, a qual leva ao hedonismo e à exigência de outro tipo de solidariedade".
Outro factor apontado por José David Miranda é a "mudança nas classes médias", que "são mais instruídas", ao passo que "a classe operária diminuiu", enquanto o PCP continua a dirigir-se e a falar de "trabalhadores e isso é redutor e pouco apelativo para as classes médias".
Ao nível da mensagem, este professor do ISCTE salienta que actualmente "o facto político só existe quando mediatizado". E, referindo que "o PCP se queixa de que não tem espaço nos 'media' e que o BE é favorecido", questiona: "Mas porque é que PCP não tem outro tipo de intervenção? Não é só o discurso, as pessoas não são escolhidas para serem mediatizáveis. Do ponto de vista mediático, Louçã ganha."
E, recorrendo ao exemplo que diz existir na ciência, José David Miranda afirma: "Há uma teoria na ciência que diz que as teorias científicas só mudam quando morrem os velhos cientistas que as trabalharam."
Quinta-feira, 25 de Novembro de 2004
A perda de influência do PCP na sociedade portuguesa é uma realidade que salta aos olhos. O PÚBLICO foi falar com académicos para tentar encontrar as causas deste divórcio entre o mais antigo partido português e uma sociedade cada vez mais individualizada e globalizada.
Por São José Almeida
A perda de influência do PCP na sociedade portuguesa parece ser uma realidade indesmentível que é reconhecida pelo próprio PCP. De partido que teve um capital de simpatia entre intelectuais, artistas, classe média e operariado e que arrastava atrás de si um lote de nomes sonantes, assim como enchia praças e alamedas, o PCP tem vindo a diminuir o seu peso social e eleitoral. Hoje não movimenta a intelectualidade e o meio artístico, nem enche pavilhões.
O desgaste social do PCP reflecte-se naquilo que de mais importante existe na sua acção política em democracia, os resultados eleitorais para a Assembleia da República, onde o PCP está reduzido a 12 deputados depois das eleições de 2002, quando em 1979 elegeu 47 deputados.
O PÚBLICO procurou junto de sociólogos que estudam o fenómeno político respostas para este desgaste. E todos parecem unânimes em apontar o desfasamento, o divórcio entre o PCP e a sua mensagem e a evolução que a sociedade portuguesa sofreu nos últimos 30 anos, em que se verificou uma autêntica revolução sócio-económica com a assunção do consumismo capitalista e com a afirmação de uma sociedade pós-moderna, individualizada, globalizada e mediatizada.
Para o sociólogo Fernando Farelo Lopes, os partidos comunistas geraram um grande capital de simpatia, não só porque defendiam "um ideal de uma sociedade justa", mas também pelo papel histórico desempenhado por estes partidos que "foram campeões da luta antiditadura" e "saem da II Guerra legitimados pela luta contra a guerra". Acresce a este factor de atracção a nível internacional o facto de que, "em Portugal, o PCP "é o único partido que sobrevive à ditadura; o PS, fundado em 1973, não era um partido treinado na luta antifascista". A este património de luta antifascista soma o PCP o facto de que "esteve presente no desmantelamento do regime e teve um papel nos governos provisórios, conseguiu revolucionar a sociedade portuguesa pelo topo e pela base, já que teve um forte papel nos sindicatos", sustenta Farelo Lopes.
"Há uma mudança na estrutura social"
A sociedade portuguesa evoluiu e, para este sociólogo, "há uma mudança na estrutura social" que leva ao desfasamento do PCP. Por um lado, há alterações profundas ao nível do "proletariado rural, nomeadamente alentejano, mas do industrial também". Para além disso, Farelo Lopes salienta que "a mentalidade da sociedade mudou e os valores mudaram". E concretiza: "Houve uma revolução do consumo, sobretudo depois da entrada para a União Europeia, que leva a um desenvolvimento de valores do hedonismo. Há uma igualização do consumo - hoje o jovem operário frequenta a mesma discoteca do filho do proprietário da Quinta da Marinha e, mais feira de Carcavelos, menos feira de Carcavelos, vestem as mesmas marcas."
Farelo Lopes destaca ainda que "a queda do bloco soviético, que era uma referência de legitimidade", como factor de erosão do PCP. E conclui: "O PCP não tirou as devidas consequências do desmoronamento do Leste. O PCP continua agarrado a uma mentalidade do velho tipo, de certezas repetidas à exaustão, quando este tipo de ideologia não é muito compatível com o tipo de sociedade presente. Esse tipo de mentalidade surge onde são espezinhados direitos; esse tipo de ideologia de desafio, de ruptura, contra o poder instalado não se coaduna com a realidade social de hoje - hoje é valorizada a cidadania, a participação. A política é um processo pacífico de múltiplo ajuste de interesses."
"Um partido que não
faz 'input' na governação"
A ruína dos regimes comunistas é também valorizada pelo sociólogo André Freire. "Há uma tendência geral que tem a ver com a queda do Muro de Berlim", afirma André Freire ao PÚBLICO, sustentando também ele que "há uma tendência internacional" perante a qual "talvez poucos partidos tenham conseguido transformar-se e dar origem a formações novas". Mas adverte: "Quanto a mim, a transformação não significa o colapso, como alguns têm defendido. Há o caso do PCI, mas há outros partidos nos países nórdicos, comunistas ou de extrema-esquerda, que evoluíram para novos temas sem descurar os tradicionais e tiveram sucesso."
Quanto ao "caso de Portugal", André Freire pensa que "a situação agrava-se porque, ao contrário do PCE, por exemplo, que tinha perfil mais próximo do eurocomunismo, o PCP é mais estalinista, o que dificulta a mudança." E especifica: "Tem a ver com a atitude face ao regime democrático, com a disponibilidade para alianças, com o estar disponível para ser poder. Primeiro, o PCP tinha reservas sobre o sistema democrático, era mais fortemente anticapitalista. Segundo, a ortodoxia reduziu ao mínimo a disponibilidade como partido de coligação." Isso faz com que "os eleitores abandonem o voto num partido que não faz 'input' na governação, logo não fará governo", ou seja, "será um voto inútil". André Freire adverte que "há até quem defenda que faz o jogo da direita, essa leitura passa".
André Freire dá também relevo a "razões de âmbito económico. Ainda que Portugal seja, "em termos europeus, a primeira ou segunda sociedade mais desigual e continue a haver uma polarização social grande, tem havido, desde a adesão europeia, melhorias e um maior nivelamento". Conclui: "Isso tira espaço ao radicalismo."
"Há uma crescente
individualização"
José David Miranda, professor no ISCTE, que estuda os movimentos sociais, aponta igualmente um conjunto diverso de razões, a começar pelo facto de que "o mundo evoluiu", ainda que no caso particular do PCP lembre que "houve a derrocada do mundo soviético". E neste âmbito diz que "o PCP perdeu as sociedades de referência; agora só podem apontar para o futuro, já não têm exemplos para apontar mais atractivos do que Coreia do Norte e Cuba".
Mas José David Miranda sustenta que este desgaste surge por outros motivos. "Para além do fim da guerra fria, há a globalização e a sociedade de informação." E prossegue, afirmando que "hoje, há também o problema da individualização" e o PCP continua a recorrer a fórmulas como o trabalho colectivo, em que "o indivíduo fica abafado, o interesse colectivo sobrepõe-se ao interesse individual". Isto numa "sociedade em que há uma crescente individualização, a qual leva ao hedonismo e à exigência de outro tipo de solidariedade".
Outro factor apontado por José David Miranda é a "mudança nas classes médias", que "são mais instruídas", ao passo que "a classe operária diminuiu", enquanto o PCP continua a dirigir-se e a falar de "trabalhadores e isso é redutor e pouco apelativo para as classes médias".
Ao nível da mensagem, este professor do ISCTE salienta que actualmente "o facto político só existe quando mediatizado". E, referindo que "o PCP se queixa de que não tem espaço nos 'media' e que o BE é favorecido", questiona: "Mas porque é que PCP não tem outro tipo de intervenção? Não é só o discurso, as pessoas não são escolhidas para serem mediatizáveis. Do ponto de vista mediático, Louçã ganha."
E, recorrendo ao exemplo que diz existir na ciência, José David Miranda afirma: "Há uma teoria na ciência que diz que as teorias científicas só mudam quando morrem os velhos cientistas que as trabalharam."
3 Comments:
At 19/3/05 14:29, Anónimo said…
Acha mesmo que alguém tem pachorra para aguentar esta estucha de texto...? Argh!...
At 24/3/08 15:06, Anónimo said…
Acho, a ignorância quando sentida como engraçada é realmente patética. O facto de não nos interessar-mos por determinado assunto não faz de nós os iluminados...
At 21/11/09 09:50, Anónimo said…
bom comeco
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