A propósito da importância político-ideológica do papel higiénico
Aqui há uns tempos um colega de trabalho falava acerca dos meses que tinha passado na URSS em meados dos anos oitenta. Como lá tinha estado enquanto funcionário de um partido político – deixo-vos a difícil tarefa de adivinhar qual – tendo como objectivo a frequência de um curso de formação na área económica, a estadia foi segundo o próprio bastante agradável, tendo os anfitriões feito todos os possíveis para que aos convidados nada faltasse.
Com uma liberdade de movimentos quase total o meu colega fez por se imiscuir na vida quotidiana que o rodeava e ao que parece, gostou de praticamente tudo.
Curioso é o facto de as dúvidas terem começado a surgir quando, confrontado com um discurso político optimista – o socialismo entrava em rota de cruzeiro e os últimos arranjos de uma sociedade igualitária estavam quase prontos – e com a grandeza de uma nação que já havia conquistado o espaço e se afirmava como uma potência político-militar mundial se viu igualmente confrontado como uma estranha e inexplicável falta de … papel higiénico. É verdade, comida e bebida em abundância, transportes gratuitos para todo o lado, visitas a unidades fabris de sucesso, dissertações intermináveis a respeito dos benefícios da interpretação socialista da economia e eis que senão quando, na solidão do WC, a fortaleza apresenta uma brecha de consequências no mínimo incómodas…
Passados estes anos, este meu colega continua a achar que este foi o único sintoma que lhe foi perceptível de que as coisas não andavam bem, como que um sinal dos tempos que se aproximavam. A explicação para a falta de tão prosaico quanto indispensável produto também nunca ficou clarificada, tanto mais que a URSS era, ao que parece, um grande produtor mundial de papel.
Hoje porém, ao desfolhar um daqueles diários gratuitos sempre cheios de deliciosas generalidades e algumas curiosidades, fez-se-me luz sobre este assunto. Uma notícia dava conta da ideia polémica que uma empresa polaca tinha tido de estampar a cara de alguns dirigentes políticos do país, imagine-se, em papel higiénico. A polémica está lançada e alguns políticos visados pretendem desde já cortar pela base esta iniciativa que os irá colocar literalmente não nas bocas mas noutras paragens do mundo.
Percebi então que o mais provável seria a falta de papel higiénico na URSS dos anos oitenta não se dever a uma qualquer insuficiência nos meios de produção ou nos canais de distribuição mas antes a uma medida concreta e objectiva para impedir formas de contestação política mais directas. De certeza que grandes líderes, como por exemplo Estaline – que ainda por cima tinha um bigode farfalhudo a fazer lembrar um piaçaba e ficou conhecido por basear grande parte das suas decisões em sonhos e em intuições que normalmente redundavam, entre outras coisas, em monumentais sessões de fuzilamento – anteciparam a possibilidade de verem os seus rostos vigorosamente esfregados nos traseiros do seu povo e, condoídos com a visão de tamanho infortúnio, acautelaram-se controlando e rarefazendo a distribuição de tão perigoso veículo propagandístico.
Afinal aquilo não era carência, era planeamento meticuloso ou, na linguagem própria, um plano quinquenal.
Com uma liberdade de movimentos quase total o meu colega fez por se imiscuir na vida quotidiana que o rodeava e ao que parece, gostou de praticamente tudo.
Curioso é o facto de as dúvidas terem começado a surgir quando, confrontado com um discurso político optimista – o socialismo entrava em rota de cruzeiro e os últimos arranjos de uma sociedade igualitária estavam quase prontos – e com a grandeza de uma nação que já havia conquistado o espaço e se afirmava como uma potência político-militar mundial se viu igualmente confrontado como uma estranha e inexplicável falta de … papel higiénico. É verdade, comida e bebida em abundância, transportes gratuitos para todo o lado, visitas a unidades fabris de sucesso, dissertações intermináveis a respeito dos benefícios da interpretação socialista da economia e eis que senão quando, na solidão do WC, a fortaleza apresenta uma brecha de consequências no mínimo incómodas…
Passados estes anos, este meu colega continua a achar que este foi o único sintoma que lhe foi perceptível de que as coisas não andavam bem, como que um sinal dos tempos que se aproximavam. A explicação para a falta de tão prosaico quanto indispensável produto também nunca ficou clarificada, tanto mais que a URSS era, ao que parece, um grande produtor mundial de papel.
Hoje porém, ao desfolhar um daqueles diários gratuitos sempre cheios de deliciosas generalidades e algumas curiosidades, fez-se-me luz sobre este assunto. Uma notícia dava conta da ideia polémica que uma empresa polaca tinha tido de estampar a cara de alguns dirigentes políticos do país, imagine-se, em papel higiénico. A polémica está lançada e alguns políticos visados pretendem desde já cortar pela base esta iniciativa que os irá colocar literalmente não nas bocas mas noutras paragens do mundo.
Percebi então que o mais provável seria a falta de papel higiénico na URSS dos anos oitenta não se dever a uma qualquer insuficiência nos meios de produção ou nos canais de distribuição mas antes a uma medida concreta e objectiva para impedir formas de contestação política mais directas. De certeza que grandes líderes, como por exemplo Estaline – que ainda por cima tinha um bigode farfalhudo a fazer lembrar um piaçaba e ficou conhecido por basear grande parte das suas decisões em sonhos e em intuições que normalmente redundavam, entre outras coisas, em monumentais sessões de fuzilamento – anteciparam a possibilidade de verem os seus rostos vigorosamente esfregados nos traseiros do seu povo e, condoídos com a visão de tamanho infortúnio, acautelaram-se controlando e rarefazendo a distribuição de tão perigoso veículo propagandístico.
Afinal aquilo não era carência, era planeamento meticuloso ou, na linguagem própria, um plano quinquenal.
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