quatro minutos depois das sete

hora de partida para outro lado qualquer...

quinta-feira, dezembro 02, 2004

O Pai do meu Pai

Desses dias de luto ficou a recordação do rosto enrugado e humedecido pelas lágrimas do avô Horácio, qual miúdo que acaba de perder a primeira namorada, beijando insistentemente o rosto frio e lívido da companheira adormecida. Cenário triste com os inevitáveis comentários de fundo dos vizinhos e familiares mais velhos “Eles eram muito amigos...” Estranha confusão essa entre amizade, amor e paixão, a mesma que fazia o meu avô repetir que tinha deixado de ver, de olhar para o que quer que fosse, para quem quer que fosse, a partir do dia em que conhecera a avó Bela. É sabido que a tempera do alentejano faz de si um indivíduo tradicionalmente reservado e introspectivo. Rejeitando a religiosidade formal proposta pela Igreja, o homem de alem Tejo não rejeita contudo uma espiritualidade natural, livre de rédeas institucionais, virada para o infinito desconhecido tantas vezes vislumbrado na imensidão da planície. Só dessa forma se entendia naquele momento a certeza do avô Horácio, senhor de um reconhecido agnosticismo iletrado, de que “Ela agora está em paz nas mãos do Todo Poderoso.”