quatro minutos depois das sete

hora de partida para outro lado qualquer...

quinta-feira, junho 23, 2005

Cops

Bela manifestação a de ontem, reunindo aproximadamente dois mil polícias e militares da GNR. Motivados, criativos, teatrais até, foi bom ver tantos elementos de uma classe profissional reunidos em defesa de direitos há muito adquiridos.
Adquiridos numa altura em que jovens e robustos moçoilos, predominantemente beirões, fugiam aos cansativos e pouco aliciantes trabalhos agrícolas e alegremente engrossavam as fileiras das guardas – na altura havia para além da republicana a fiscal - e das polícias, dando o seu melhor na defesa das leis e regras de funcionamento do poder de então. “Cães de fila” de um Estado totalitário, tinham direito a ração reforçada, enquanto a generalidade dos “rafeiros” à sua volta lá ia empurrando os latões à procura das sobras, cumprindo-se assim com êxito o objectivo de promoção social proporcionado por este tipo de emprego. Mudaram-se os tempos, mudou o regime, entrámos numa época da qual guardo já memórias pessoais, estórias que vivi e presenciei.
Uma das imagens que por certo guardarei é a da constante labuta da minha mãe que para além do emprego ainda arranjava tempo e forças para fazer o périplo, no mínimo semanal, até ao supermercado mais próximo, de onde regressava carregada de sacos com a comida e outros bens de consumo essencial lá para casa. Fazia-o sozinha ou acompanhada pelos filhos porque o meu pai, amarrado a dois empregos, nunca estava.
Lá na rua vivia o Luís, um puto pouco mais novo do que eu, companheiro de brincadeiras, filho de um soldado da GNR. Toda a gente sabia qual era a profissão do pai dele, não porque alguma vez alguém o tivesse visto fardado, mas porque o homem era simplesmente conhecido pelo “Guarda”. A mãe do Luís não trabalhava e ele, tal como eu, tinha uma irmã mais velha. Uma vez em conversa o Luís lá foi explicando que o pai nunca andava fardado porque tinha tarefas relativamente “civis”: era ele que ia às compras de tudo o que dizia respeito á confecção de alimentos no quartel onde estava estacionado e por isso não havia necessidade de formalismos desse género. Nunca vi a mãe do Luís carregada com sacos de compras uma única vez que fosse nos anos que por ali morei. Um dia o Luís inocentemente disse que o pai trazia muitas coisas – entenda-se carne, peixe, etc. - para casa às sextas-feiras, pelo que não havia grande necessidade de ir às compras. Tal como eu e a minha irmã, o Luís e a irmã estudaram, licenciaram-se, seguiram rotas ascendentes relativamente ao meio de onde vinham. Fizeram-no com um salário mensal. Nós fizemos o mesmo com três. Eu tive que estudar no liceu lá do bairro, o Luís podia tê-lo feito num instituto militar, com todas as condições e mais algumas, só não o tendo feito porque efectivamente não quis – a mãe bem o tentou obrigar. Conheci pela primeira vez cuidados médicos de jeito quando um seguro de saúde me afastou do posto médico lá da zona, o mesmo onde o Luís e a família nunca tiveram de pôr os pés porque usufruíam do regime especial proporcionado pela profissão do pai. O pai do Luís nunca conheceu o desemprego. O meu pai, infelizmente, sim. O pai do Luís reformou-se com 50 anos de idade. O meu pai reformou-se com 64. Percebe-se, esta coisa de ir às compras para o quartel é uma profissão de desgaste rápido e a partir de uma certa idade começa a ser difícil distinguir a fruta madura da estragada, o peixe fresco do rançoso e por aí fora. O pai do Luís era apenas um soldado, o mais baixo posto existente na hierarquia militar. Suponho, tendo por base uns valores que vi há pouco tempo afixados num Diário da Republica, que a sua reforma supere, neste momento o meu salário mensal. Parece-me justo atendendo não apenas ao nobre serviço que este homem prestou ao seu país, mas também e sobretudo ao contexto de abundância colectiva em que estes valores se inscrevem e à fonte de onde provêem as verbas para os pagar.
Não me lixem: ou vivemos todos em abundância ou então partilhamos à mesma mesa os mesmos direitos e os mesmos recursos. Como dizia o outro, quando não há dinheiro não há vícios.

4 Comments:

  • At 23/6/05 22:34, Blogger Bastet said…

    Olá Duda e mc! Já respondi ao e-mail que me mandaste mc! Um beijo para vós.

     
  • At 24/6/05 17:18, Anonymous Anónimo said…

    E então como há uns "priveligiados" com condições um pouco melhor do que os outros, retira-se!
    Em vez de se lutar para que os que têm menos tenham igual aos outros, não! Demagogicamente tentam acirrar os cães contra os outros.
    E porque é que o cozinheiro deveria ter menos direitos que os soldados da patrulha?

     
  • At 24/6/05 18:26, Blogger Duda said…

    Camarada amigo,
    sublinho estas minhas palavras: ou vivemos todos em abundância ou então partilhamos à mesma mesa os mesmos direitos e os mesmos recursos. Se todos descontamos de igual ou pelo menos semelhante, modo então porquê tantas diferenciações e subsistemas disto e daquilo? Os polícias, militares e afins são apenas mais uns - se calhar até dos que menos são - privilegiados. De facto concordo que o caminho deverá ser para cima e não para baixo, mas não posso deixar de pensar que muito do que hoje se passa resulta, não só mas também, de anos e anos de coisas destas, de teres um aparelho de estado alimentado por uma maioria (cada vez mais reduzida em tamanho e por isso cada vez menos uma verdadeira maioria)em benefício de minorias e não de todos. A velha máxima de "O Estado somos todos nós" se calhar, aplicada à realidade nacional, é mais uma coisa do género "O Estado somos todos nós na hora de pagar e alguns de nós na hora de usufruir".
    Mas claro, acho tão legitimo que os polícias lutem pelos seus direitos adquiridos como os médicos lutem pelo seu direito de não preescrever genéricos, que os árbitros lutem contra os sorteios, que os políticos lutem contra a perda do maná de reformas e outras benesses que tais, etc., etc.
    Eu faço parte dos outros todos que ainda não conseguiram arranjar um estandarte único capaz de os unir em unissono em torno um conjunto de reinvindicações. Azar o meu.

    Um abraço

     
  • At 4/7/05 11:57, Anonymous Anónimo said…

    Então lutemos por direitos iguais para todos! Os que têm menos devem ter igual aos que estão um pouco melhor!
    Já agora quanto é o desconto para a segurança social?
    Eu desconto todos os meses 10% para a Caixa Geral de Aposentações, 23,5% de IRS e
    € 23,63 para a ADSE...

     

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