quatro minutos depois das sete

hora de partida para outro lado qualquer...

terça-feira, junho 21, 2005

Uma questão de perspectiva

Esta manifestação de Sábado passado, a tal convocada “em protesto pelos episódios de violência grupal” a que temos assistido, revelou-se para mim um autêntico viveiro de factos sociais, um observatório de fenómenos interessantes em que o Homem – esse animal curioso – aparece simultaneamente como produtor e produto.
Comecemos pelo início. Primeiro houve aquela notícia relâmpago que dava conta do suposto facto de que uma horda de 400 ou 500 bandidos perfeitamente organizados - com direito a manobras de diversão anti-policiais e tudo - teria invadido a praia de Carcavelos, roubando e vandalizando tudo e todos à sua passagem. Afinal parece que a coisa roçava a borderline do mito urbano e ao que parece já não eram 500, eram para aí uns quarenta ou cinquenta, a polícia só deteve um ou dois e até agora ainda não ouvi uma única vítima – para além dos que apanharam da polícia - a relatar o sucedido. Mais ainda, parece que a coisa já acontece há imenso tempo, nunca ninguém se preocupou e a maior parte do pessoal “esclarecido” já não põe os pés em Carcavelos há uma porrada de tempo uma vez que aquilo se tornou numa espécie de campo de jogos para pessoal de hábitos duvidosos.
Bom, depois lá apareceu Marques Mendes a dizer que isto era uma chatice enorme, com repercussões tremendas no sector do turismo e tal e eu pus-me a pensar Que raio, quem é que vai fazer turismo para Carcavelos?
Depois foi a vez da polícia dizer que a coisa não teve assim tanta importância, que os meliantes são sempre os mesmos e já tão mais que identificados, portanto, não há problema nenhum e o cidadão comum não precisa de ficar alarmado nem de passar a levar essa lusitana paixão e, em muitos casos, objecto de compensação fálica chamado caçadeira para a praia
Finalmente, essa rapaziada que gosta de usar os cabelos cirurgicamente rapados, botas da tropa impecavelmente engraxadas e que parecem padecer todos da mesma tendinite da coifa no ombro direito, que os obriga a passar grande parte do dia com o braço direito até às falangetas hirto e levantado aos céus, aproveitou logo e apareceu, na qualidade de “bons e preocupados cidadãos”, a convocar uma manif contra este estado de coisas.
A manifestação em si foi um must. Os manifestantes fizeram de facto os possíveis para se apresentarem no seu melhor e realmente nem precisavam de abrir a boca porque bastava reparar no aspecto deles para se perceber logo que são pessoas a levar a sério.
Alguns até falaram para as câmaras e houve uma intervenção em concreto que me chamou a atenção. Um dos mais aguerridos, exibindo o corte de cabelo da praxe, um pólo verde e vermelho, umas tatuagens à maneira onde sobressaía por entre o emaranhado dos desenhos uma cruz suástica e as típicas e morenaças feições dum típico europeu do sul, exclamava qualquer coisa como “Eu sou branco e tenho orgulho em ser branco!” Este “camarada” fez-me lembrar eu próprio quando, candidamente conversando com um familiar a viver há muito na Austrália a respeito da possibilidade de um dia me mudar de malas e bagagens para lá, o ouvi responder-me “Sob o ponto de vista das habilitações literárias não terias problemas mas sabes, na Austrália não serias considerado propriamente um branco.” Pois é, sou moreno, quiçá demais pelos parâmetros australianos e isso faz-me pensar que provavelmente melhor faço em estar calado do que caracterizar-me a mim próprio como branco. O manifestante das tatuagens se calhar devia fazer o mesmo, quanto mais não seja porque de certeza que o próprio Adolfo daria umas voltas na tumba se visse a sua ideologia ser apropriada por um grupo de tipos tão notoriamente miscigenados como estes portugueses de cabeça rapada. É tudo uma questão de perspectiva e de contexto meus amigos e, como vocês gostam tanto de realçar, cada macaco no seu galho. Ora um português neonazi faz-me imediatamente lembrar do já mítico slogan do Restaurador Olex: “Um preto de cabeleira loira e um branco de carapinha, não é normal!”, ou seja há ali qualquer coisa óbvia e tristemente incongruente.
Bom, no final ainda houve tempo para uma confusãozita e para uma bastonada – policial – num dos fotógrafos, esses insuportáveis agitadores.
Quer-me cá parecer que o problema é que nós, os pacatos e omnipagadores - os que somos roubados à ponta, seja da navalha ou da pistola, seja da caneta do ministro das finanças – nos demitimos da participação cívica e da acção pública individual ou em massa, abrindo assim caminho à usurpação desse espaço por patetas retardados, esses que se dão ao direito de misturar meia dúzia de exigências válidas com ideologias patológicas ou os que defendem as minorias de forma barata e irresponsável, apregoando a tolerância sem pensarem seriamente no significado da palavra. Ao mesmo tempo parece subsistir um enorme receio de tomar medidas enérgicas, quer estruturais – no combate às causas – quer repressivas – sobre as terríveis e inaceitáveis consequências das desigualdades que teimamos em impor uns aos outros. Algures entre o discurso xenófobo e o radicalismo paternalista em torno das minorias há-de haver espaço para ideias equilibradas e para a solução dos problemas. Para além da cor da pele das vítimas e dos agressores
Fico à espera do próximo capítulo.

1 Comments:

  • At 23/6/05 18:09, Anonymous Anónimo said…

    Nestes tempos radicalizados, é bom ler um discurso coerente...

     

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