O Daniel é o dono do Cruzeiro do Pescador, um restaurante em Pipa onde quem vai se arrisca a uma óptima refeição e a uma excelente conversa.
O espaço é uma esplanada alojada num telheiro de verga, ali mesmo numa perpendicular à “avenida” principal da vila, lugar onde imperam os tons de terra, verde seco e laranja e onde o Daniel recebe todos como convidados na sua casa.
Sejam os mais discretos europeus do norte, os escassos norte americanos ou os omnipresentes e ruidosos portugueses, o Daniel vai saltando de mesa em mesa e o diálogo surge naturalmente.
Connosco a conversa só começou depois de pagarmos a conta. Sentado numa mesa, o Daniel desfolhava um livro de ar antigo, livro cuja capa não consegui espreitar e cujo conteúdo não pude perceber e à nossa passagem e à despedida replicou com um provocador “Então e Portugal, as coisas vão mudar para melhor?”
Pois é, o bem informado Daniel sabia que o governo tinha sido despedido, sabia que as coisas por cá estavam complicadas e sabia pouco das alternativas que se vislumbravam no panorama oposicionista.
Lá lhe fomos contando do curriculum do 1º ministro dispensado, do principal candidato da oposição, dos problemas económicos do país, do desemprego, das dificuldades dos jovens recém licenciados, da pouca esperança que depositávamos nos próximos tempos, da ginástica que tínhamos feito para podermos estar ali...
Do que o Daniel parecia saber e bastante era do comportamento dos portugueses que lhe batiam à porta do restaurante e as aparentes contradições entre o país real que parecia conhecer – passou por cá oito anos no final da década de oitenta, princípios da década de noventa - e os turistas que esse país exporta eram apenas isso, aparentes.
“Há muitos que me dão a clara sensação de gastarem acima das suas possibilidades. Parecem-me muito preocupados em mostrar que têm, muitos comportam-se como patrões, têm um estilo e uma mentalidade quase colonialista, chegam a ser mal educados, arrogantes... O nordestino já está um bocado farto dessa atitude por parte dos paulistas e dos cariocas, que é uma coisa ancestral, e começa a estar por parte dos portugueses.”
Encolhemos os ombros. De facto isso nota-se, sobretudo entre os portugueses de meia idade que por lá encontrámos.
Continuámos a conversa, deambulámos por entre posicionamentos à esquerda e à direita, falámos de mentalidades, de comportamentos. Ficámos de voltar mas acabámos por não o fazer, não por falta de vontade mas porque a oferta gastronómica é muita e acaba inevitavelmente por nos dispersar na busca por outras iguarias. Ah e claro, isto apesar de o fillet mignon e o camarão – ambos inacessíveis para os locais porque a coisa custa ao todo uns 35% do salário mínimo nacional – do Cruzeiro serem óptimos.